quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Análise poética do poema “Eros e Psique”



"Essa análise foi apresentada para o Curso de Letras. Confesso que a professora deu nota 10 para o trabalho que foi feito por mim e minha amiga Cássia".        


    O poema “Eros e Psique” é dividido em 7 estrofes de redondilha maior com rimas misturadas (ABAAB). Ele é encontrado em dois livros de Fernando Pessoa, o Cancioneiro e o Poemas Ocultistas. Foi posto no Cancioneiro por se tratar de um mito da Literatura Grega, e lembrando que um livro recebe o nome de Cancioneiro por conter coletâneas de canções, Eros significa deus do amor e Psique significa alma. E também foi escolhido para ficar no livro Poemas Ocultistas pelo fato de sua principal característica ser o ocultismo, já que o poema vai além das coisas naturais. 
             Outra característica importante na poesia é o Hermetismo, pois para entender o poema é necessário ter um entendimento filosófico e religioso, já que temos o mito, e a citação que nos remete a religião. Existem outras características pessoanas como a angustia existencial, a inquietação perante ao enigma indecifrável do mundo, vagos acenos do inexplicável.
Logo no início temos uma citação que se refere a um trecho da Ordem Templária de Portugal, extinta em 1888, desde então pode-se dizer que ela está em dormência, assim como a princesa do poema. Nessa citação vemos referências ao grau hierárquico, posições que os templários ocupavam conforme seu desenvolvimento na Ordem Templária. O texto abaixo ajuda a compreender essa Ordem.

Os graus também são três: Neófito, Adepto, Mestre, ou melhor, são dez: quatro em Neófito, três em Adepto e três em Mestre. O Neófito é essencialmente um estudioso. No Adepto há o progresso da unificação do conhecimento com a vida. No Mestre há a destruição desta unidade por via de uma unidade mais alta. (Esp. 54 B-17)
Diz ainda Pessoa que escrever poesia é o objetivo da iniciação. O grau de Neófito será a aquisição dos elementos culturais com que o poeta terá de lidar ao escrever poesia; o grau de Adepto será o de escrever simples poesia lírica; o grau e Mestre será o de escrever poesia épica, poesia dramática; e a fusão de toda a poesia, lírica, épica e dramática, em algo de superior que as transcenda (Esp. 54 B-18).                                        
http://www.pessoa.art.br/?p=570

Vemos também uma relação entre as verdades que os cavaleiros recebiam de acordo com a evolução de grau, com as verdades que vamos adquirindo com o passar dos anos, e mesmo que menores e/ou até opostas as verdades atuais, elas são consideradas verdadeiras, pois partiram do mesmo princípio, que é o grau de neófito (posição inicial), ou seja, é a luz saindo da escuridão para encontrar as verdades.
Após a citação do ritual, o eu-lírico parte para a narração do poema e relata a lenda da “Princesa encantada” que está em um sono profundo, e somente um infante que viria de “Além do muro da estrada” poderia despertá-la, sendo assim ele teria que ser corajoso para enfrentar os obstáculos que o percurso lhe oferece. O “muro” pode ser comparado com as dificuldades da vida, e a “estrada” é o caminho que percorremos em busca de nossos objetivos, que no caso do poema é a “Princesa”.
O eu lírico continua, na segunda estrofe, dizendo que o infante, para vencer, teria que lutar contra o bem e o mal para não se perder “antes que já libertado”, “o caminho errado”, ou seja, ele deveria lutar com força e coragem para não se perder no caminho e acabar desistindo do seu propósito que é o caminho que o leva até a princesa. E assim somos nós, em nossas vidas, para não nos esquecermos dos nossos objetivos, devemos continuar lutando.
Na terceira estrofe o eu-lírico relata o estado de dormência em que a princesa se encontrava, “Sonha em morte a sua vida”, e sua cabeça estava ornada com uma grinalda de hera, esta representa a alegria e a jovialidade e é encontrada, geralmente, em túmulos. A princesa dormia tão profundamente que parecia que estava morta, mas não estava, pois ela sonhava em morte com a sua vida, e com o momento que seria libertada desse sono. Sua fronte esquecida pode representar os objetivos que traçamos em nossas vidas e que são esquecidos ao longo do tempo.
Porém, o infante esforçado esta longe da princesa, mas continua lutando como vemos no terceiro verso da quinta estrofe “rompe o caminho fadado”, mas “sem saber que intuito tem”. Percebemos que ele luta e vai atrás de algo, mas nem ele sabe o porquê. Por isso que “ela para ele é ninguém”.
Eles continuam cada um cumprindo o seu destino, “Pelo processo divino/ Que faz nascer a estrada”. O processo divino significa a força maior que rege o mundo e que faz com que as coisas aconteçam. Vencendo todos os obstáculos o Infante chega à Princesa. E meio tonto, ergue a mão e encontra a grinalda de hera e aí ele “vê que ele mesmo era/ A princesa que dormia”. 
Concluímos que quando o infante encontra hera, a grinalda, ele cai em si de quê o que estava procurando era a sua identidade, a sua verdade. Vemos então que o infante pode ser qualquer pessoa que pela estrada da vida busca suas verdades e no final dela encontra sua Princesa, que nada mais é que sua identidade.

 ***

Nota de Massaud sobre Fernando Pessoa: 
Mal decorridos sessenta anos de sua morte (1935), ainda é cedo para aquilatar-lhe a importância, o significado do seu legado estético e cultural e a influência exercida. Podemos, inclusive, estar sob efeito de uma luz tão imensa que o tempo poderá revelar indagadora, cega idolatria. Por outras palavras, talvez estejamos hipnotizados pela esfinge e seus enigmas refletidos numa imensa sala de espelhos 
(MASSAUD, 1968:288).

"Eu confesso que até hoje, passados 2 anos que terminei a faculdade, eu não consigo explicar o Fernando Pessoa. Quando nós entregamos o trabalho e tinha na conclusão essa nota do Massaud a professora, de início, criticou o trabalho, pois jamais em uma conclusão deve ter uma citação, mas depois ela compreendeu que essa citação dizia perfeitamente aquilo que queriamos dizer mas não conseguiamos pois estávamos sob efeito da LUZ que esse poeta reflete em seus espelhos..."


Eros e Psique

… E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas
no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de
adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.
Do Ritual do grau de Mestre do Átrio
Na Ordem templária de Portuga
l

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.





 

8 comentários:

  1. Oi Melina!

    Venho lhe agradecer de coração a sua participação em meu blog, através de seus comentários.

    Desculpe o comportamento de alguns. Não posso escolher meus leitores. Aliás, meu propósito é levá-los a refletir sobre seus posicionamentos.

    Rastreando seu perfil, cheguei até seu blog. Parabéns por sua iniciativa e conteúdo. Já passo a segui-lo desde já.

    Aparece sempre por lá. E eu estarei também por aqui.

    Falando em "eros", tenho alguns textos dedicados ao assunto. Dá uma procurada lá...

    Escrevi um livro chamado "Amor Radical", lançado pela MK Editora, e que aborda as quatro facetas do amor, representadas por quatro vocábulos gregos: agape, storge, phileo e... eros! Se puder adquiri-lo, me sentirei muito honrado.

    Abraço!

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  2. Eros e Psiquê
    Frustrado por não conseguir casar a sua linda filha, o pai de Pisquê consultou o oráculo, que o istuiu o prepará-lo com vestes núpcias e abandona-la no alto de uma montanha. Dê lá, ela sentiu que era içada ao ar, e com medo desmaiou.
    Quando voltou a si, estava em um magnífico palácio, onde foi vistada noite após noite por aquele que se fez seu esposo e a quem passou a amar profundamente. O rapaz, contudo, a proibiu, de mira-lo na claridade, sob pena de abandona-la. Mas Pisquê, curiosa, certa vez iluminou seu rosto com uma lamparina, enfurecido o Eros cumpriu sua promessa.

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  3. Nossa, sua interpretação foi fabulosa!
    Ajudou-me muito a compreender o referido poema. Obrigada!

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  4. Sua análise do poema foi bem parecida com a minha. Eu só acho que não cabem esoterismos na interpretação deste poema, mas realmente acredito que ele fale da busca por algo, uma "verdade" interior; neste caso, achando que ela está em outro lugar, mas no final está em você mesmo. Parabéns pelo excelente texto.

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  5. Perfeito! Ajudou-me grandiosamente! Obrigado e parabéns!

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  6. Lindo!
    O infante pode ser a Cruz e a princesa a Rosa que floresce em seu centro. Ele também pode ser o Ego e ela a Psique como um todo e o processo divino o caminho do Self... Muitos possíveis olhares, mas desejar fixar algum é abrir mão da luminosidade de apenas ler e sentir.

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